De 2019 para 2020, o número de discursos racistas proferidos por autoridades públicas mais que dobrou (106%), saindo de um total de 16 para 33 casos. No ano de 2020, em todos os meses ocorreu pelo menos um caso de discurso racista entre as autoridades brasileiras.
Os dados são da campanha Quilombolas contra Racistas, organizado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e pela Terra de Direitos. O mapeamento foi feito a partir dos discursos racistas proferidos por autoridades públicas no Brasil.
Segundo o levantamento, o maior número de ocorrências registradas teve como autor o presidente da república e deputados estaduais, cada qual computando 25 % dos casos (12 discursos racistas cada).
::Bolsonaro é condenado a pagar R$ 150 mil por declarações racistas e homofóbicas::
Segundo o levantamento, em 20 casos dos 49 mapeados, ou seja 41%, foram iniciados procedimentos de apuração dos fatos ou responsabilização, seja por meio de abertura de inquérito, ação ou procedimento administrativo. Contudo, nenhum dos casos resultou em responsabilização dos autores, tornando a impunidade e a falta de respostas eficazes das instituições públicas a regra nas ocorrências de discursos racistas das autoridades públicas no Brasil.
“O racismo é um fenômeno naturalizado. Denunciar e dar visibilidade às situações de racismo é um caminho traumático e repleto de estratégias de silenciamento e ocultação”, destacam as organizações na divulgação dos dados.
De acordo com as entidades, ao se analisar os resultados é possível apontar para a ocorrência de uma espécie de efeito manada, em que o uso do discurso racista por algumas autoridades acaba por legitimar e encorajar a disseminação do ódio racial através do discurso por outras autoridades. Uma realidade reforçada pelo fato de que, em uma boa parte dos casos, não há aplicação de medidas de responsabilização eficazes.
No mapeamento não foram incluídos casos que configurassem injúria racial, crime previsto no artigo 140 do Código Penal, que consiste em ofender alguém com base em sua raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência.
Na avaliação das entidades, a amostra permite conhecer as dinâmicas de manifestação do discurso de ódio racial das autoridades públicas como um fenômeno cada vez mais recorrente e visível. Contudo, salientam, está longe de representar o universo de discursos de ódio racial que fazem parte do cotidiano das instituições públicas brasileiras.
“O levantamento é constituído majoritariamente pela recolha de notícias, o que implica que está limitado pelos critérios de visibilidade adotados pelos veículos de comunicação. Os 49 casos de discursos racistas permite-nos conhecer situações ilustrativas, apontando-nos caminhos de interpretação sobre o fenômeno de consolidação do discurso de ódio racial no Brasil”, afirmam.
Além dos discursos do Executivo e Legislativo, a pesquisa destaca também casos de discurso proferidos por ocupantes de cargos de direção e assessoramento do Governo Federal (ministros, secretários e presidentes de autarquias), com 22% (11 discursos racistas). A pesquisa evidencia que a disseminação do uso do discurso racista entre as autoridades públicas brasileiras é reproduzida por representantes políticos nos três níveis da federação (federal, estadual e municipal).
Na avaliação dos organizadores, o discurso de promoção da supremacia branca por parte das autoridades públicas parece estar sendo utilizado como ferramenta de reação ao fortalecimento dos movimentos globais de luta contra o racismo e em defesa das vidas negras, que marcaram de forma significativa o ano de 2020.
Principais tipos de discursos racistas apurados
Reforço de estereótipos racistas
O racismo se sustenta através da construção de diversos estereótipos negativos, utilizados historicamente para inferiorizar povos ou justificar processos violentos como a escravidão. O uso de estereótipos racistas por autoridades públicas visa degradar a dignidade de indivíduos ou grupos e configura discurso de ódio racial.
Incitação à restrição de direitos
Negar direitos humanos e direitos constitucionalmente reconhecidos, tais como, o reconhecimento da história afro-brasileira, políticas de ação afirmativa, direitos territoriais e culturais, dentre outros, configura apologia à discriminação racial. Em uma sociedade em que as desigualdades são marcadas pelo racismo, o acesso a direitos específicos por parte de populações discriminadas compõe núcleo central dos direitos fundamentais.
Promoção da supremacia branca
É discurso racista aquele que imponha valores superiores aos brancos e sua cultura e inferiores a outros povos e culturas. Tanto no Brasil como no mundo, a ideologia de supremacia branca justificou genocídios e sustenta processos de desumanização.
Negação do racismo
É discurso racista a negação/minimização da gravidade do racismo e/ou a utilização de doutrinas já superadas de negação do racismo, como mestiçagem ou democracia racial. Em um país onde há um genocídio contra o povo negro em curso, negar o racismo é de extrema gravidade.
Justificação ou negação da escravidão e do genocídio
O genocídio e a escravidão são considerados crimes contra a humanidade. A negação pública ou a tentativa de justificar a escravidão racial no Brasil ou o tráfico de escravizados, configura discurso racista.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira