Em Stuttgart, a antifa e o que havia restado da antiga burocracia sindical lutaram entre si por influência desde o começo. A velha liderança da ADGB, a federação sindical central da Alemanha pré-guerra, procurou restabelecer relações de emprego formalizadas nas zonas ocupadas, o que pelo menos significaria um retorno à normalidade da classe trabalhadora alemã. No entanto, isso contrariava a abordagem dos antifas, que cultivavam fortes laços com os sindicatos de esquerda e com os comitês de fábrica e exigiam a nacionalização e o controle operário da indústria. Essas demandas acabaram se provando irrealistas em uma economia destruída e ocupada por poderosos exércitos estrangeiros.
A perspectiva de estabilidade e um certo grau de recuperação econômica sob a batuta do SPD simplesmente se mostraram mais atraentes para os trabalhadores, forçados a escolher entre isso e a angustiante, porém honrosa, luta proposta pela antifa.
Particularmente, os antifas foram ainda mais prejudicados pelas decisões dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, que buscavam cooperar com o que restava do regime nazista abaixo de seus níveis executivos. Os antifascistas, ao tentarem prender líderes nazistas locais ou expulsá-los das burocracias municipais, eram muitas vezes detidos por autoridades que preferiam integrar funcionários do antigo Estado em novas instituições “democráticas”.
Isso tinha menos a ver com qualquer afinidade particular com os Aliados e os ex-funcionários fascistas do que servir aos interesses práticos de manter a sociedade alemã funcionando sob condições extremamente difíceis, sem ceder sua influência a reemergente esquerda radical. Em menor número, desarmados e superados pelo SPD, a influência da antifa nas três zonas ocidentais de ocupação evaporaria em menos de um ano. A sociedade da Alemanha Ocidental se estabilizou, a Guerra Fria polarizou o continente e as forças políticas da antiga Alemanha, aliadas com a social-democracia e o emergente bloco ocidental, consolidaram seu domínio sobre o país.
O KPD, por sua vez, inicialmente tomado por uma onda de novos membros, viu seu prestígio aumentar, à luz da vitória soviética sobre Hitler e de um amplo sentimento anticapitalista entre os trabalhadores. O partido logo reconstruiu suas bases industriais e, em 1946, controlava o mesmo número de comitês de chão de fábrica que o SPD, na região do Ruhr. Em seu estudo clássico sobre o movimento operário alemão, Die deutsche Arbeiterbewegung, o estudioso Arno Klönne afirma que o total de filiados nas três zonas ocidentais era de 300.000 em 1947, e 600.000 na zona soviética, antes da fundação do Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED) em 1946.
Após um breve período de participação nos governos provisórios do pós-guerra, os Aliados logo marginalizaram o KPD e o partido retornou à sua antiga linha ultra-esquerdista. Ele selou sua irrelevância política em 1951, com a aprovação da “Tese 37”, um documento sobre estratégias trabalhistas repleto de insultos aos sociais-democratas e aos sindicatos. A moção, aprovada na conferência do partido, obrigou todos os membros do KPD a obedecerem a decisões partidárias verticais e irem contra diretrizes sindicais se necessário. Esse movimento obliterou o apoio comunista nas fábricas da noite para o dia e relegou o partido às margens. O KPD não conseguiu se eleger para o parlamento nas eleições de 1953 e foi banido pelo governo da Alemanha Ocidental em 1956.
Os desenvolvimentos políticos foram decisivamente diferentes na zona soviética, mas acabaram por terminar em um beco sem saída ainda mais sombrio: a República Democrática Alemã (RDA) – completamente stalinizada pelo líder do SED, Walter Ulbricht. Conhecido por ser um antigo quadro comunista dos primeiros anos do partido, Ulbricht sobreviveu a vinte anos de expurgos stalinistas e repressões fascistas para liderar o “Grupo Ulbricht”, uma equipe de funcionários exilados do KPD, que agora retornava de Moscou para reconstruir o país sob ocupação soviética.
Embora os generais do Exército Vermelho não tivessem uma visão particularmente democrática ou igualitária para a Alemanha Oriental, eles rejeitaram cooperar com a velha hierarquia nazista por suas próprias razões e, por algum tempo, permitiram que os antifas e suas instituições operassem com relativa liberdade. Testemunhas oculares reportam que por volta de 1947, em alguns centros industriais da Alemanha Oriental, como Halle (tradicional curral comunista no pré-guerra), os conselhos de trabalhadores liderados pelo KPD exerciam uma influência decisiva sobre a vida fabril, e que em alguns casos, havia confiança suficiente para conduzir negociações e argumentar com as autoridades soviéticas.
Em uma entrevista para a Jacobin, o ativista veterano do KPO, Theodor Bergmann, fala de Heinrich Adam, membro do KPO e mecânico da fábrica Zeiss em Jena, que se filiou ao SED na esperança de realização da unidade socialista. Heinrich também foi um antifa e sindicalista ativo, que organizou protestos contra a decisão dos soviéticos de tomar a fábrica de Zeiss como reparações de guerra – ele sugeriu a construção de uma nova fábrica na Rússia. Adam foi expulso do partido por suas opiniões independentes em 1952 e viveu seus últimos dias em Jena com uma modesta pensão estatal para veteranos antifascistas.
Em Dresden, um grupo de aproximadamente oitenta comunistas, sociais-democratas e membros do Partido Socialista dos Trabalhadores (SAP), formou um comitê em maio de 1945, para entregar a cidade ao Exército Vermelho. Em cooperação com as autoridades soviéticas, esse grupo posteriormente saquearia lojas de alimentos e armas da Frente de Trabalho Alemã e de outras instituições nazistas, organizando um sistema de distribuição para a população da cidade nas primeiras semanas do pós-guerra.
Os relatórios de autoridades soviéticas e do Grupo Ulbricht descreviam grupos antifascistas rivais, geralmente tolerados pela ocupação, que além de armar os moradores e organizar a prática de tiros, também prendia nazistas locais e chegou a abrir uma cozinha para refugiados nas províncias orientais. As comunicações internas revelam que os líderes comunistas faziam pouco caso da Antifa, rejeitada por Ulbricht como “as seitas antifascistas” em um comunicado a Georgi Dimitrov em meados de 1945.
O objetivo inicial do Grupo Ulbricht era incorporar o máximo possível desses antifascistas ao KPD, eles temiam que a repressão os repelissem ao invés de atraí-los. Wolfgang Leonhard, ex-integrante do Grupo Ulbricht, afirmou mais tarde em suas memórias, Child of the Revolution, que Ulbricht explicou aos colegas funcionários comunistas: “Está muito claro – deve parecer democrático, mas precisamos ter tudo sob nosso controle”.
Esse período terminou quando a República Democrática Alemã começou a se estabelecer como um Estado de partido único, ao estilo soviético, no final da década de 1940, particularmente depois que eleições relativamente livres em 1946, em que resultaram em retornos decepcionantes. Antigos membros do KPO e outros oposicionistas, autorizados a se organizarem após a guerra, foram investigados por crimes políticos passados, expurgados e muitas vezes presos. Nos locais de trabalho, o SED procurou racionalizar a produção, neutralizando, assim, as instâncias de controle fabril e representação democrática que haviam surgido.
O estabelecimento da Federação Sindical Alemã Livre (FDGB) em 1946 marcou o início da tentativa do SED de estabelecer seu controle sobre as fábricas. Esses “sindicatos”, na verdade, organizavam os trabalhadores da Alemanha Oriental alinhados com os interesses de seus chefes práticos, o Estado da Alemanha Oriental, e procuravam comprar sua lealdade por meio de esquemas de “competição socialista”, trabalho por peça e pacotes de férias patrocinados pelo sindicato.
No entanto, os sindicatos “livres” não podiam se dar ao luxo de eliminar progressivamente eleições competitivas da noite para o dia. Nos primeiros anos, os ativistas da antifa eram frequentemente eleitos para os comitês chão de fábrica da FDGB, exercendo assim, um pouco mais de influência contínua no local de trabalho. Alguns foram integrados no gerenciamento de nível médio, enquanto outros se recusaram a trair seus princípios e renunciaram ou foram removidos por razões políticas.
A divisão pública entre a União Soviética e a Iugoslávia de Tito, em 1948, acelerou a stalinização da zona de ocupação soviética, e os limitados espaços de auto-organização foram logo fechados por completo. Posteriormente, a tradição do movimento antifascista da RDA seria diluída, distorcida e recriada num mito de origem nacional no qual os cidadãos da Alemanha Oriental eram proclamados os “vencedores da história”, mas onde restava pouco espaço para a história real, para não mencionar o papel ambivalente do comunismo stalinista, por trás dela.
Ousar a sonhar
Após seu colapso no final de 1945, os antifas iriam desaparecer do cenário político alemão por quase quatro décadas. A moderna antifa com a qual a maioria das pessoas associa o termo não tem nenhuma conexão histórica prática com o movimento do qual leva o nome, que é na realidade um produto da invasão da cena andarilha e do movimento autonomista dos anos 80 – em si um resultado de 1968 consideravelmente menos orientado para a classe trabalhadora industrial que sua fração italiana.
Os primeiros antifas desse novo período funcionaram como plataformas para se organizar contra grupos de extrema-direita como o Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD) em um movimento autonomista com milhares de membros ativos e capaz de ocupar quarteirões inteiros em algumas metrópoles da Alemanha Ocidental.
À medida que a extrema-direita começou a se reconstruir após a reunificação alemã, expressada em chocantes ataques contra refugiados em várias províncias orientais no início da década de 1990, a antifa tornou-se rapidamente um movimento em si mesmo: uma rede nacional de grupos antifascistas organizados na “Antifaschistische Aktion/Bundesweite Organisation” (AA/BO)
De certa forma, esses grupos eram o inverso de seus progenitores: em vez de uma ampla aliança de socialistas e progressistas de correntes ideologicamente distintas, eles eram grupos específicos, expressamente radicais, mais vagos e profundamente heterogêneos em suas especificidades. Ao invés de um ponto de partida para jovens ativistas em uma esquerda política e socialista mais ampla, os antifas fora das grandes cidades são frequentemente a única força política suburbana e funcionam em espaços contraculturais, com seus próprios estilos, cenas musicais e gírias, ao invés de serem componente de um movimento de massas enraizado dentro de uma sociedade mais ampla.
Após a divisão da AA/BO em 2001, antifas continuaram a trabalhar localmente e regionalmente como redes dedicadas de antifascistas que se opunham a manifestações e encontros de extrema-direita, embora muitos também adotassem outras questões e causas de esquerda. O que resta dos andarilhos e da infraestrutura construída entre os anos 1970 e 1990, continua a servir como importante espaço de organização e socialização para a esquerda radical,e os “antifas” como movimento, caminho, visão política geral, sem dúvida continuarão a existir por um bom tempo.
O movimento vem encolhendo continuamente desde o final da década de 1990, fragmentado em linhas ideológicas e incapaz de ajustar suas estratégias autonomistas originais às mudanças dos padrões de urbanização e à ascensão do populismo de direita. Seus produtos mais promissores ultimamente têm sido as mobilizações em massa contra as marchas neonazistas em cidades como Dresden, bem como a formação de uma nova corrente, caracteristicamente pós-autonomista, na forma de Esquerda Intervencionista – marcando um afastamento, ao invés de um renascimento, da estratégia clássica dos antifas.
O antifascismo surgiu na frente dos debates sobre a esquerda americana sob a presidência de Trump, e muitas das táticas e estilos visuais da antifa alemã podem ser vistas emergindo em cidades como Berkeley e outros lugares. Alguns argumentam que com a chegada dos movimentos neofascistas ao estilo europeu nas costas americanas, também é hora de importar as táticas europeias da antifa como resposta.
No entanto, a antifa de hoje não é produto de uma vitória política da qual podemos extrair nossa própria forças, mas de uma derrota – a derrota do socialismo nas mãos do nazismo e do ressurgimento do capitalismo global e, mais tarde, o esgotamento do movimento autonomista na esteira da virada neoliberal e a gentrificação de muitas cidades alemãs.
Apesar das antifas continuarem a funcionar como importantes polos de atração para radicalizar a juventude e garantir que a extrema-direita raramente fique sem oposição em muitos países europeus, sua forma política é de natureza exclusiva, expresso em seu estilo estético, retórico e inacessível às massas populares se unindo ao ativismo pela primeira vez. Uma subcultura de esquerda com seus próprios espaços sociais e vida cultural não é a mesma coisa que um movimento social de massas e não podemos nos permitir essa confusão.
É claro que a experiência da antifa em 1945 nos oferece igualmente poucas lições concretas sobre como combater um ressurgimento da extrema-direita na era Trump. Olhando para trás, a história da esquerda socialista não se trata de destilar fórmulas vitoriosas a serem reproduzidas no século XXI e sim de entender como gerações anteriores entenderam seu próprio momento histórico. E, como em resposta, construíram organizações políticas a fim de desenvolver a própria (esperamos, mais bem-sucedida) estratégia hoje.
Os antifas em Stuttgart, Braunscheweig e em outros lugares, enfrentaram dificuldades impossíveis, mas ainda procuraram articular uma série de demandas políticas e uma visão organizacional prática para os trabalhadores radicais dispostos a ouvir. Antifas recusaram-se a capitular com sua situação aparentemente sem esperança e ousaram sonhar grande. Frente uma esquerda ainda mais fragmentada e enfraquecida do que em 1945, os movimentos antifascistas do mundo todo terão que fazer o mesmo.