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As desigualdades existentes no Brasil têm imposto grandes dificuldades nas respostas à pandemia do coronavírus. O problema, que perpassa as condições de moradia, acesso à alimentação segura e à saúde, também está presente no tocante à comunicação. No lugar de uma construção da comunicação como um direito de todos, o que presenciamos por aqui é a uma grande concentração de veículos de mídia nas mãos de poucos empresários, que, com isso, determinam o conteúdo a ser veiculado, além da forma e da linguagem a serem utilizadas. Isso tem efeitos no exercício da cidadania de toda a população, e em tempos de emergência de saúde e com a necessidade de cuidados específicos, como é o atual cenário com a Covid-19, a situação se agrava. Entretanto, a resistência de comunicadores e comunicadoras populares e comunitários se mantém no período de pandemia e supera as dificuldades para dialogar em diversos territórios. E a boa notícia é que, em muitos casos, contam com parcerias de instituições ligadas à área da saúde para realizar esse trabalho e passar adiante informações qualificadas.
Comunidades, favelas e periferias como protagonistas
Para entender um pouco do trabalho que a comunicação comunitária está fazendo, vale recorrermos à definição da jornalista e comunicadora comunitária da Maré Gizele Martins: “Comunicação comunitária é mobilização!”. Se, em geral, as mobilizações são voltadas para encontros, manifestações nas ruas e outras intervenções coletivas, neste momento tem sido diferente. A ideia é transmitir informações sobre a importância de todas e todos ficarem em casa. E para ter sucesso nessa empreitada a linguagem, os meios escolhidos para passar informações são fundamentais. Nesse sentido, Gizele aponta os elementos que direcionaram o plano de comunicação feito no conjunto de favelas da Maré: “A gente começou a se perguntar como levar essa informação sabendo que parte das pessoas na favela não têm acesso à internet e à energia. Muitas das informações passadas na televisão não incluíam a realidade da favela. Então, fizemos um plano de comunicação que incluiu a necessidade de uma linguagem acessível e que expressasse a realidade da favela”. E para colocar esse plano de comunicação em ação estão sendo utilizados todos os meios possíveis: carro de som, cartazes, faixas, redes sociais, rádios etc.
Um dos principais pontos da construção da comunicação comunitária é o fato de o receptor ser alguém que, às vezes, se confunde com o próprio emissor. Nesse sentido, a vivência daquela realidade faz com que este trabalho lide com questões específicas que não costumam ser tratadas nas mídias comerciais. Ou seja, não basta uma mensagem seca e imperativa para que as coisas aconteçam, é preciso lidar com o cotidiano da população. No caso das indicações de higiene, por exemplo, Gizele Martins aponta que, na Maré, tiveram de comunicar muito além do que é recomendado pelo Ministério da Saúde: “Uma das formas de não se contaminar pelo coronavírus é lavar as mãos, mas falta água na favela. Então, a gente fez um conteúdo para que quem tivesse água, compartilhasse água. E quem não tivesse pedisse ao vizinho”.
Mas para além das recomendações sobre cuidados de prevenção contra a Covid-19, o trabalho dos comunicadores também lida com a realidade de territórios onde a grande parte das pessoas sofre de forma mais forte os impactos econômicos do isolamento social. Trabalhadores informais, ambulantes, trabalhadoras domésticas ou mesmo desempregados compõem grande parte da população de favelas e periferias e não são raras as famílias que têm necessitado de doações para sobreviver neste momento. Nesse sentido, campanhas por doações tem sido realizadas, como explica Thainã Medeiros, do Coletivo Papo Reto, que atua no Complexo do Alemão no Rio de Janeiro: “No primeiro momento, a gente deu preferência a doações em dinheiro, porque podemos comprar diretamente o que é necessário e é mais fácil de evitar aglomerações”. Além das doações em dinheiro, os comunicadores também têm trabalhado no sentido de informar locais de doação de cestas básicas e até mesmo como se cadastrar para receber o auxílio emergencial do governo federal. Além disso, Gizele Martins também relata que há campanha contra casos de violência doméstica “com informações para quem estiver sendo agredida procurar apoio na favela ou onde achar melhor”. Vale lembrar que as denúncias de violência contra mulheres aumentaram mias de 50% durante o período de isolamento social.
Parcerias e construção conjunta com instituições de saúde
Mas como lidar com um tema que tem sido alvo de bastante fake news e que o próprio presidente da República desdenhou chamando de “gripezinha”? Como passar informações qualificadas e com base científica de forma compreensível para todos? Para atingir esse objetivo, os comunicadores comunitários têm contado com parcerias com instituições de saúde que ajudam e constroem materiais informativos em parceria e em diversas plataformas. Essa construção tem gera frutos para ambos os lados favorecendo o trabalho dos comunicadores e pautando questões importantes da população para dentro das instituições.
Nesse sentido, a Fiocruz criou a campanha de comunicação “Se liga no corona!”. A iniciativa é fruto da articulação com Redes da Maré, Conselho Comunitário de Manguinhos, Conselho Gestor Intersetorial (CGI-Teias Manguinhos), Comissão de Agentes Comunitários de Saúde de Manguinhos (Comacs), Coletivo Favelas Contra o Coronavírus, Jornal Fala Manguinhos! e o sindicato dos trabalhadores da Fiocruz, Asfoc-SN. Os conteúdos de radionovelas, spots para carros de som, peças e vídeos para mídias sociais e cartazes está disponível para download no Portal Fiocruz e no Maré Online. Sobre esse trabalho, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, afirmou em entrevista coletiva voltada para comunicadores populares que: “Não se trata de falarmos para as comunidades e para os comunicadores populares como fazemos hoje (na entrevista). Se trata de construir em conjunto as melhores formas de proteção da nossa sociedade.”.
Além da Fiocruz, o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes) realiza o projeto ComunicaSUS, voltado para comunicação popular com informações sobre Sistema Único de Saúde e prevenção ao coronavírus. Lá é possível encontrar materiais de áudio, vídeo, radionovelas, cartazes e até mesmo um samba sobre o SUS. Os materiais também são voltados para prevenção contra o coronavírus. Thainã Medeiros ressalta que essas parcerias são fundamentais, tendo em vista que as instituições possuem o conhecimento e “os comunicadores populares têm a expertise sobre como passar isso”, sem contar que “as demandas trazidas pelos comunicadores podem pautar as instituições”.
Saúde como direito!
Gizele Martins também ressalta outro ponto importante para o momento: a necessidade de fortalecer o SUS em todos os seus níveis de atuação. A moradora da Maré ressalta a importância das instituições da saúde em contraposição com outra instituição que a favela lida no seu cotidiano, a polícia. Para ela, ideia de utilizar a polícia para manter o isolamento social nas favelas não é bem vinda, pois “Saúde pública se resolve com direitos”.
Nesse cenário de emergência, as desigualdades tão marcantes de nossa sociedade têm se ficado ainda mais evidentes. Entretanto, a resistência e a luta por direitos que marcam nosso cotidiano também se mostram ainda mais necessárias. E se os negócios e os lucros não podem estar acima da vida, a saúde privada e a comunicação comercial também não podem estar acima dos diretos. Assim como o a saúde pública é fundamental para garantir vidas, a comunicação popular e comunitária também podem fazer a diferença não só no território ou comunidade em que atuam, mas para toda a sociedade.
Fonte: Abrasco.org